A conta certa de vegetais por dia para você ter mais saúde
Cinco porções: duas de frutas e três de verduras e legumes. Novo estudo aponta que essa é a meta diária para você viver mais e melhor. Saiba como batê-la.
Imagino que o leitor esteja cansado de saber que vegetais fazem bem à saúde — e, talvez, faça parte do grupo que tem noção de que precisa comer mais frutas e hortaliças. Também não é de hoje que cientistas e entidades estipulam uma quantidade ideal desses alimentos por dia.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) defende cinco porções (cerca de 400 gramas), recomendação que é endossada pelo Fundo Mundial de Pesquisas sobre Câncer e o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido.
Já o governo americano prega duas porções de frutas e duas e meia de verduras e legumes. Na Dinamarca, são seis doses diárias de vegetais, enquanto na Austrália o sarrafo sobe para oito e meia. O Brasil tende a acompanhar a OMS.
Mas, agora, uma nova equação vem à tona com um estudo que parece ter chegado a um consenso. Uma equipe da Universidade Harvard, nos EUA, analisou dados de mais de 100 mil cidadãos desse país, acompanhados por 30 anos, e revisou 26 estudos baseados em informações colhidas entre 1,9 milhão de pessoas de 29 nações.
Resultado: a ingestão de duas porções de frutas e três de legumes e verduras por dia está associada a um risco 13% menor de morrer precocemente. Sim, a conclusão ratifica (e especifica) a regra dos cinco vegetais. Na análise, esse hábito diminuiu em 12% a possibilidade de vir a óbito por doenças cardiovasculares, 10% por câncer e 35% por problemas respiratórios. São números significativos.
Mas como é que esses alimentos ajudam a prevenir tanta desgraça? A resposta passa pelo mix que carregam, entre fibras, vitaminas, minerais… e os compostos bioativos. “Essas são substâncias que os próprios vegetais produzem para se proteger quando estão em ambientes com muito frio, vento ou pragas. Quando a gente os consome, acaba levando esses benefícios”, explica a nutricionista Cinthia Giaimo, do Centro Universitário São Camilo, na capital paulista.
A professora conta que tais compostos começaram a ser investigados na década de 1980 e, a partir das descobertas, ganharam o apelido de funcionais.
“Fomos percebendo que a função básica deles é combater ou reduzir os radicais livres formados no organismo, o que favorece a longevidade e reduz o risco de doenças crônicas”, diz o médico Durval Ribas Filho, presidente da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran).
Os radicais livres são moléculas geradas naturalmente dentro da gente quando as células usam o oxigênio para ganhar energia. Em pouca quantidade ou dentro de um equilíbrio, são inofensivos.
Quando aparecem em excesso — algo influenciado por alimentação, sedentarismo, tabagismo e presença de problemas de saúde, por exemplo —, dão início a processos oxidativos que culminam em inflamação e danos às células.
Esse fenômeno está por trás de males tão diversos como tumores e doenças no coração. Bom, aí entram os compostos bioativos, que têm função antioxidante, isto é, auxiliam a acabar com a festa dos radicais antes que eles provoquem confusão.
Lindo na teoria, mas e na prática? É de assustar o baixíssimo número de brasileiros que consomem ao menos cinco vegetais por dia, adquirindo sua cota de compostos bioativos e companhia: só 13%, de acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde, de 2019.
Os dados preliminares do estudo NutriNet Brasil, coordenado pelo Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens/USP), realizado até o momento com 98 mil pessoas, apontam o Norte e o Nordeste como as regiões com menor ingestão.
O que não entra na conta
Depois de ver o resultado dessa baita pesquisa de Harvard, talvez você tenha pensado: “Bom, se eu comer uma porção de batata frita com ketchup e tomar um copo de suco de laranja, já estarei na metade do caminho para alcançar a meta”.
Claro que não é bem assim! Os próprios autores do trabalho fazem questão de sublinhar que algumas coisas não entram na conta dos cinco vegetais.
É o caso de sucos, alimentos ricos em carboidrato — caso da batata, cozida, assada ou frita — e ervilha e milho enlatados. No fundo, essa exclusão tem a ver com açúcar, ou melhor, com a capacidade de tudo isso virar açúcar dentro do corpo, e rapidamente.
“A batata tem índice glicêmico elevado por causa da sua quantidade de amido. Já milho e ervilha enlatados, que também têm amido, passam por procedimentos para proteção contra um eventual aquecimento intenso que os tornam mais propensos a elevar a glicemia depois”, esclarece Glaucia Pastore, professora de engenharia de alimentos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
A ponderação com o suco segue o mesmo raciocínio. “As fibras da fruta se vão no momento de fazer a bebida”, sintetiza Ribas Filho. Falta fibra, sobra carboidrato… Melhor ficar com o fruto na íntegra.
Muito além das cinco porções
Falamos bastante de frutas, verduras e legumes, mas é evidente que, ainda no reino dos vegetais, eles não são os únicos alimentos bem-vindos e nutritivos. Embora a regra dos cinco e o estudo de Harvard não coloquem grãos, castanhas, sementes e cereais integrais na conta básica, eles merecem ter espaço cativo na rotina.
Detalhe: esses itens não devem substituir uma ou mais das cinco porções de vegetais, mas serem acrescentados. A ideia é somar mesmo.
“As oleaginosas, caso de nozes, amêndoas e castanhas, são ricas em gordura monoinsaturada, que é melhor que a gordura da carne, e também têm propriedades antioxidantes”, observa a nutricionista Lara Natacci. Grãos e cereais integrais, por sua vez, são exímias fontes de fibras e vitaminas — mas tem que ser “integral”, viu?
Dessa forma, a recomendação para não deixar ninguém dessa turma de fora das refeições principais é preencher metade do prato com verduras e legumes, um quarto com carboidrato e o outro com proteína, seja ela animal ou vegetal.
“No setor dos legumes, tente usar três cores diferentes. Quanto às frutas, procure incluí-las nas refeições e nos lanches ao longo do dia”, orienta Lara.
Acontece que, para abrir mais espaço para esses alimentos no cardápio, outros vão precisar ser jogados para escanteio ou ingeridos com moderação — nem é matemática aqui, é física!
Cinthia lembra que o Guia Alimentar para a População Brasileira, publicado pelo Ministério da Saúde em parceria com universidades, aconselha dar sempre preferência à comida in natura e evitar os produtos ultraprocessados.
Segundo a professora do São Camilo, esses são alimentos industrializados que não costumam ser nutritivos e ainda contam com o acréscimo de substâncias para deixá-los mais palatáveis e conservados por mais tempo.
“Salsicha, nuggets, bolachas recheadas, refrigerantes… Nada disso existe na natureza”, repara. Veja, as empresas não incluem alguns ingredientes à toa — nitritos e nitratos são adicionados a embutidos para coibir bactérias nocivas —, só que o abuso cobra um preço da nossa saúde. “O problema não é o consumo em si, mas comer todos os dias”, afirma Cinthia.
Outros itens pedem parcimônia: açúcar, sal, gordura saturada… De novo: não significa que é necessário riscá-los do menu. “Nada disso é proibido. Só temos que tomar cuidado com os excessos”, reforça Lara. Nem mesmo os redutos de amido, como a já citada batata, precisam ser abandonados.
Ocorre que é mais fácil se entupir deles do que de goiaba, brócolis e cenoura, não é? “A maior causa de abandono das dietas é o fato de serem muito restritivas. Se você gosta de uma comida, não precisa limar, basta tirar outra coisa e ficar atenta aos acompanhantes”, diz Glaucia.
O que significa uma porção?
Desafio de saúde pública
Os estudiosos da alimentação batem na tecla de que não só é preciso conscientizar a população sobre a importância de comer frutas e hortaliças mas também procurar entender por que ela não consegue cumprir a meta dos cincos vegetais.
A nutricionista Camila Aparecida Borges, pesquisadora do Nupens/USP, dá ao menos três justificativas: acesso, disponibilidade e preço.
“No Brasil, uma alimentação baseada em ultraprocessados ainda é mais cara do que uma focada em alimentos in natura e minimamente processados. Porém, um estudo recente feito por várias universidades em São Paulo, Minas Gerais e Bahia mostra que, se nenhuma política pública for criada, teremos uma inversão desse cenário nos próximos anos”, conta.
Camila também cita um mapeamento conduzido pelo Nupens/USP em Jundiaí (SP). Dos estabelecimentos comerciais na área urbana da cidade, só 30% vendiam frutas, verduras e legumes, enquanto cerca de 75% ofereciam bebidas açucaradas, doces e guloseimas.
“Notamos que os bairros mais periféricos tinham 22 vezes mais chances de dispor apenas de comércios com venda prioritária de ultraprocessados em comparação com os bairros mais centrais”, relata a pesquisadora.
Esses dados indicam que não só a oferta e o apelo dos industrializados são maiores como eles podem ficar ainda mais baratos. E quem está particularmente vulnerável a isso é a população de baixa renda. Esse é um tema que ganha urgência com a pandemia, uma vez que a crise econômica atual piorou o cenário de insegurança alimentar.
A Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan) calcula que, entre os 211,7 milhões de brasileiros, 116,8 milhões convivem com algum grau de dificuldade para se alimentar bem — 43,4 milhões não teriam comida suficiente em casa e 19 milhões enfrentam fome pra valer.
É chocante! “Com o preço dos alimentos mais alto no geral, quem tem a renda restrita acaba optando pelo que dá mais sustança, em vez de comprar frutas, verduras e legumes”, lamenta Cinthia.
Assim, tanto o aumento no consumo de vegetais por cidadãos com mais condições como o combate à fome e à carência de alimentos saudáveis entre os desfavorecidos têm de passar por ações do poder público. Um passo importante foi a criação do Guia Alimentar para a População Brasileira. Mas os especialistas acreditam que é preciso ir além.
“A taxação de alimentos e bebidas ultraprocessados, aliada ao aumento da renda domiciliar e à redução no preço das frutas, verduras e legumes, seria um caminho”, avalia a nutricionista do Nupens/USP.
Para Glaucia, há uma necessidade contínua de educar a sociedade. “Precisamos propagar tudo que os vegetais fazem por nós. Deveria haver uma política de Estado para ajudar nessa conscientização, utilizando inclusive agentes como escolas, igrejas e associações de bairro”, analisa a professora da Unicamp.
A engenheira de alimentos acredita que ter a informação correta é algo mais poderoso do que simplesmente restringir ou proibir. Não basta dizer a alguém que, se ingerir açúcar demais, poderá desenvolver diabetes. Pode ser mais produtivo e inspirador ensinar as vantagens de comer vegetais — desde a infância.
E, claro, tem a motivação individual no meio, sobretudo entre as pessoas que têm maior acesso a comida saudável. “Temos que parar e pensar no que vamos colocar no prato, é uma responsabilidade nossa. Do contrário, é como você dirigir e bater o carro mas falar que o culpado foi o poste”, diz o presidente da Abran.
Hoje, além de encontrar frutas, verduras e legumes em feiras e supermercados, há cada vez mais iniciativas que permitem a aquisição diretamente de pequenos produtores — há desde aplicativos até ONGs ajudando na intermediação. Pode ser um jeito de gastar menos, ampliar o leque de opções e evitar desperdícios.
O Brasil gera comida suficiente para alimentar 10% da população mundial, de acordo com dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). E tem uma biodiversidade incrível! Que tal usufruir mais desse privilégio?
Parece difícil? Não é, não
A nutricionista Lara Natacci dá seis dicas para alcançar a meta dos cinco vegetais por dia
Mais vegetais, menos doenças
Junto a outros hábitos, a regra das duas frutas e três verduras e legumes ajuda a afastar problemas de saúde
Fonte: Veja Saúde
Maria Tereza Santos