"Meu filho teve covid-19": 5 famílias contam como enfrentaram a doença

Data: 07/12/2020

É impossível não se preocupar ao receber o diagnóstico de covid-19 de um filho. Afinal, a doença é desafiadora e ainda provoca dúvidas. No entanto, felizmente, há vários dados embasados pela ciência que podem trazer conforto aos pais.

Um estudo realizado em julho pelo Centro Europeu de Prevenção e Controle das Doenças (ECDC), com 582 casos de coronavírus pediátrico em 21 países da Europa, estimou que até 40% das crianças são assintomáticas, ou seja, não apresentam sintomas. Entre as que adoecem, os problemas mais comuns são febre (65%), infecções do trato respiratório superior, como tosse e coriza (54%), dor de cabeça (28%) e diarreia (22%). “São sintomas muito parecidos com a doença em adultos. A grande diferença está no número de casos graves. São raros os pacientes infantis que necessitam de internação em comparação aos adultos”, explica Ariel Levy, professor do Departamento de Pediatria da Universidade Nove de Julho (SP).

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 20% das crianças que contraem o novo coronavírus precisam de atendimento hospitalar e cerca de 5% usam suporte ventilatório durante a internação. Menos de 0,5% desses pacientes desenvolve a síndrome inflamatória multissistêmica (Sim-P), um quadro que pode estar associado ao coronavírus do qual a comunidade científica ainda tem poucas informações. “Seria uma resposta imunológica a esse vírus, que se manifesta até um mês após o contágio”, afirma Levy.

De acordo com nota divulgada pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), a Sim-P envolve ao menos dois órgãos. Além de febre persistente, um amplo espectro de sintomas, muitos deles potencialmente graves, têm sido observados nos pacientes, como alterações cardiovasculares, renais, respiratórias, hematológicas e gastrointestinais. Em um cenário no qual ainda não foi desenvolvida uma vacina nem um tratamento eficaz contra a doença, e a única certeza são os milhares de mortes no mundo todo.

Como os pais devem reagir quando o filho pequeno apresenta sintomas?

O primeiro passo é manter a serenidade e não sair correndo para um pronto-socorro, como aconselha o pediatra Márcio Moreira, infectologista do Hospital Albert Einstein (SP). “A busca por serviços de emergência é exagerada em alguns casos. Se a criança está com tosse há dois dias, não tem por que ir ao hospital”, diz Moreira. “Fale com o pediatra de confiança por telefone. Já uma febre persistente ou muito alta por dois dias seguidos é mais preocupante e merece atenção médica. E isso vale para qualquer quadro, não só para a covid19. ”

Em geral, a recomendação dos médicos para cuidar de uma criança com coronavírus é responder sintoma a sintoma, como explica a infectologista pediátrica Luciana Becker Mau, do Hospital Sírio Libanês (SP). “Está com febre? Entra com antitérmico. Está com tosse? Faça uma inalação ou dê o xarope. Está com diarreia? Aumente a oferta de líquidos. Tudo recomendado pelo médico. ” Não custa dizer que o acompanhamento de um profissional, aliás, é a primeira providência ao menor sinal de que seu filho pode ter se infectado por coronavírus. E, diante do diagnóstico, seguir à risca as orientações do especialista e cuidar para que o pequeno seja bem cuidado do ponto de vista físico e emocional.

A seguir, veja como cinco famílias enfrentaram a covid-19 junto com seus filhos.

“Tom teve só febre, enquanto nós parecíamos zumbis” “Fui a primeira a pegar o coronavírus em casa, em junho. Dor de cabeça constante, dor muscular que queimava... fiquei reclusa no quarto, meu marido deixava as refeições na porta. Meu filho, Tom, ficava sentado no chão do corredor conversando comigo. Às vezes chorava, querendo colo. Eu chorava todas as vezes… meu marido, Tadeu, começou a ficar mal poucos dias depois. Fadiga, tosse. Não demorou, o Tom foi ficando mais quieto e veio a febre. Levamos ao pediatra e aqueles 39 graus de temperatura pelo segundo dia seguido não deixaram dúvidas: agora éramos os três com covid-19.

Como eu e o Tadeu nos sentíamos péssimos fisicamente, bolamos um esquema de revezamento para manter o Tom hidratado e comendo direito. Eu ficava menos disposta durante o dia, e repousava. Já meu marido piorava à noite, então era minha vez de assumir o menino. Mas o esquema durou pouco: o Tom teve só febre, que tratamos com antitérmico, enquanto nós parecíamos zumbis... Quinze dias depois, as coisas voltaram ao ‘novo normal’ lá em casa. De certa forma, foi um alívio: mantive o Tom isolado por quase 100 dias antes de ficarmos doentes. Agora, fico mais segura para levá-lo ao parquinho. De máscara, claro." Patricia Franceschini, 39 anos, gerente de experiência do cliente, mãe de Tom, 4, de São Paulo (SP).

“Sou mãe-solo, e eu e meu bebê sofremos com covid-19 juntos” "Acordei com dores no corpo, enjoos e calafrios. ‘Normal’, pensei naquela manhã de maio. Afinal, eu estava amamentando e cuidando sozinha de um bebê de 5 meses. Também andava estressada por estar desempregada em plena pandemia. Não podia contar com o pai do Caiuá, porque sou mãe-solo, nem com os meus pais, pois temos uma relação difícil. Aqueles sintomas eram a soma de tudo, concluí. Mas não eram. Dias depois, continuei mal e tive falta de ar. Suspeitei de coronavírus e bateu o desespero.

Quem cuidaria do meu bebê se eu estivesse doente? Não demorou para o Caiuá ter febre e ficar com o nariz tão entupido, que chorava. Uma amiga, que é infectologista, veio nos ver e me ajudou a tratar a coriza dele. Ela recomendou que, se a febre dele não passasse, eu deveria ir ao hospital. Em dois dias, a febre do Caiuá passou. Mas foram as piores 48 horas da minha vida! Tive dores horríveis pelo corpo, não sentia o gosto e nem o cheiro da comida. A cabeça doía e meu filho chorava horas seguidas.

Tinha dificuldade para amamentar e sentia culpa pela fome do meu filho, por não ter energia para dar um banho nele, pela casa suja… uma amiga me ligou oferecendo ajuda. Além das compras dos alimentos, fiz outro pedido: combinamos que, se eu demorasse mais de três horas para respondê-la no WhatsApp, ela viria aqui com a polícia e arrombaria a porta. Meu medo era morrer e meu filho ficar no berço, sozinho. Para que meu leite fortalecesse o bebê, passei a comer porções fartas de carne, legumes, mesmo não sentindo gosto de nada. Priorizei a higiene do Caiuá e de seu quarto. Também deixei de ver os telejornais; as notícias das mortes pela covid-19 me traziam pensamentos ruins.

O Caiuá melhorou em quatro dias. Eu demorei uns 12. Não posso dizer que passei pelo coronavírus ilesa. Sinto uma pontada no coração quando lembro daqueles dias. ” Giselle Lobato, 35, designer, mãe de Caiuá, 8 meses, do Rio de Janeiro (RJ). 

“Meu filho passou cinco dias na UTI” "No final de maio, meu marido Márcio e eu sentimos dores no corpo, tivemos diarreia e perdemos um pouco do olfato. Como os incômodos eram leves, nem procuramos um médico. Nos recuperamos rápido. Mas algumas semanas depois, nosso filho, o Matias, começou a ter aqueles mesmos sintomas, mais perda de apetite e febre. Também notamos ínguas na sua barriga. Na consulta com o pediatra, a covid19 foi descartada. O médico suspeitou de apendicite, mas, por meio de um ultrassom, essa hipótese também foi excluída.

Voltamos para casa incomodados com a recomendação de apenas manter nosso filho em observação e bem hidratado. A febre persistiu, e o Matias ficou com a palma da mão avermelhada, como se fosse uma alergia. Voltamos ao hospital e meu filho foi internado. Naquela noite, enquanto dormia, ele teve uma queda brusca de pressão: chegou a 6X3. Fiquei desesperada! No dia seguinte, taquicardia. O infectologista suspeitou que pudesse ser a síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica e o transferiu para a UTI. Em uma rápida pesquisa no celular, perdi o chão. Crianças estavam morrendo daquela doença pouco conhecida e associada à corona. Como era possível, se o exame do meu filho tinha dado negativo?

Depois de uma sorologia, os médicos descobriram que no momento daquele exame anterior, o Matias já não estava mais com o vírus. Provavelmente ele se contaminou um mês antes, mas ficou assintomático. Talvez na mesma época em que eu e meu marido adoecemos. Meu filho passou cinco dias na UTI. A preocupação era que a síndrome atingisse seu coração. O mais estranho é que, aparentemente, ele estava ótimo! Conversava, brincava no tablet. Só se incomodava com as picadas dos exames de sangue, necessárias na terapia de imunoglobulina pela qual foi submetido com sucesso. Meu filho ficou mais dois dias no hospital depois de deixar a UTI. Fomos para casa aliviados, com alguns medicamentos prescritos. Aos poucos, ele recuperou o apetite e a disposição voltou com tudo. ” Mariana Sanchez Rolim, 39, terapeuta, mãe de Maurício, 15, e de Matias, 7, de São Paulo (SP).

“Meu filho tem síndrome de Down e contraiu a covid-19” "Vivo com minha mulher e nossos dois filhos no quilombo África, a 130 km de Belém (PA). Já havia alguns casos de coronavírus na comunidade, mas ficamos assustados mesmo quando uma moça de 27 anos, moradora próxima da região, morreu da doença.

Temíamos que nosso caçula se contaminasse, porque o Luís tem síndrome de Down e sabemos que essas crianças têm problemas de imunidade. Acho que foi em uma viagem a trabalho no Amapá, no final de maio, que peguei o coronavírus. Tive dores nas pernas e nas costas, visão embaçada e tosse seca. Fui ao hospital, que fica a 70 km de casa e, depois de encarar horas de espera, saí da consulta com uma receita de hidroxicloroquina nas mãos. Nas duas vezes em que tomei os comprimidos, meu coração disparou. Cortei o remédio por conta própria. Demorou pouco para que o Luís e a Ana Luiza, nossa filha mais velha, começassem a adoecer. Tiveram febre e tosse por dois dias. O menino chorava mais, para nosso desespero.

Pelo telefone, o médico recomendou um remédio para os sintomas e repouso. Minha esposa, Claudia, foi uma guerreira. Não sei se ela pegou covid-19, pois não tinha nenhum sintoma. Cuidou da gente como uma leoa e com uma receita de sua família: chá de jambu, açafrão, graviola, gengibre e melaço. Não sei se foi por isso, mas as crianças se recuperaram e, uns três dias depois, já estavam correndo pelo quintal. Já eu não posso dizer o mesmo. São quase três meses desde que fiquei doente e ainda sinto cansaço, principalmente para falar. ” Raimundo Magno Nascimento, 42, administrador, pai de Ana Luiza, 8, e de Luís, 7, de Moju (PA). 

“A preocupação era com o psicológico das crianças”. "Estranhei quando o Gabriel reclamou de dor de cabeça. Meu filho raramente fica doente. Mediquei com um analgésico e ele foi dormir. Na manhã seguinte, estava amoado e febril. Dias depois, meu caçula, o Teodoro, teve diarreia e febre. Como o Gabriel já estava melhor, e o mais velho, João, estava superbem, nem associei com a indisposição do irmão. Liguei o alerta uma semana depois. Eu estava fazendo um bolo de banana com canela na cozinha e o João, da sala, elogiou o aroma gostoso. Fiquei espantada, pois não sentia cheiro nenhum! No final daquele dia, tive dor no corpo e febre. Acordei muito pior, com uma fadiga extrema. Meu marido, Fernando, também.

Como meu estado era o pior, fui ao hospital e testei positivo para o coronavírus. Contei ao médico sobre os sintomas das crianças e do meu marido e ele concluiu que provavelmente todos lá em casa estavam contaminados. Como as crianças já estavam bem e tiveram aqueles poucos sintomas, minha preocupação era com o lado psicológico dos meninos. Um dia, na aula pelo computador, o Gabriel interrompeu a professora para contar que estava com coronavírus. Ela ficou assustada e me ligou, preocupada.

Reuni os meninos para entender como eles estavam lidando com tudo aquilo e tivemos uma conversa amorosa. Expliquei que sim, a doença podia matar, mas que nós ficaríamos bem, nossos sintomas eram leves. Respondi com sinceridade a todas as dúvidas e disse que na próxima semana já estaríamos bem. Foi o que aconteceu. ” Jade Scazufka Machado, 38, psiquiatra, mãe de João, 11 anos, Gabriel, 7, e Teodoro, 2, de São Paulo (SP).

Como falar sobre o novo coronavírus com as crianças? O assunto continua circulando por onde quer que se olhe. Por isso, é importante não fugir dele quando os pequenos querem saber mais sobre a tal covid19. Uma conversa franca, adequada à idade da criança, é a recomendação que a psicóloga Glaucia Guerra Benute, coordenadora do curso de Psicologia do Centro Universitário São Camilo (SP), dá aos pais que estão com filhos com coronavírus. “Esconder o diagnóstico para poupar a criança não é um bom caminho. Ela pode ouvir um diálogo sem querer entre os adultos e descobrir a verdade”, diz Glaucia.

“Com isso, além do laço de confiança quebrado, passa a criar fantasias com a doença e, aí sim, sentir medo, desamparo e a enxergar a coisa de um jeito muito mais grave. ” Glaucia aconselha, ainda, que os pais falem sobre o coronavírus de forma lúdica, com a ajuda da internet. “Há vários canais infantis que disponibilizam histórias e desenhos sobre a pandemia para várias faixas etárias. São conteúdos que ajudam a compreensão infantil com leveza”, explica a psicóloga. “É importante também ouvir seu filho. Sempre que ele fizer a mesma pergunta sobre a doença, repita a mesma resposta com carinho e paciência. ”

A psicóloga Rosangela Villar, da UNICAMP, completa orientando os pais a terem autocontrole para não transmitir insegurança e descrença na cura. “Para as crianças mais novas, é importante menos informações detalhadas e mais acolhimento. Ajude seu filho a nomear os sentimentos: ‘você está preocupado? ’ E ‘do que você tem medo? ’ São perguntas que as farão expressar o que estão sentindo”, afirma Rosangela. “Para as mais velhas, mostre exemplos de pessoas que tiveram a covid19 e estão aqui, bem, tocando suas vidas.

Fonte: Revista Crescer

Link da matéria: https://revistacrescer.globo.com/Saude/noticia/2020/12/meu-filho-teve-covid-19-5-familias-contam-como-enfrentaram-doenca.html

 

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